Toda venda de veículo automotor, no Brasil, deve respeitar um procedimento de transferência previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Basicamente, comprador e vendedor devem fazer constar no verso do Certificado de Registro de Veículo (CRV ou DUT) – não confundir com o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV) – os dados do comprador, local, data, sendo que as assinaturas das partes devem ser reconhecidas por verdadeiras em cartório, no verso do documento.
Após a vistoria e depois de reconhecida a firma no verso documento, é dever do vendedor efetuar a comunicação de venda junto ao Detran, quando, então, abrirá um prazo de 30 dias (Art. 123, § 1º, do CTB) para que o comprador faça a emissão de um novo CRV agora em seu nome, sob pena de cometer a infração de trânsito descrita no Art. 233 do CTB.
Na prática, é muito comum que as pessoas, e até mesmo profissionais do comércio automotivo, confundam o procedimento. Por exemplo, em algumas situações, após as pessoas reconhecerem firma no verso do CRV em cartório, é comum que o comprador entregue o documento diretamente ao vendedor, acreditando que é ele, a partir de agora, o responsável pela transferência do veículo – sendo que o devedor deveria ter feito, pelo menos, a comunicação de venda, ou ter outorgado uma procuração particular ao comprador para que ele, em nome do vendedor, fizesse a comunicação.
Em outros casos, as pessoas celebram apenas um contrato particular, não iniciando qualquer ato formal de transferência de propriedade do veículo perante os órgãos de trânsito. Muitas vezes, porque o vendedor do veículo simplesmente perdeu o CRV, e como a emissão da segunda via costuma ser cara, deixam a emissão de um novo para o futuro, esperando que tudo se resolva na base da confiança.
Acontece que as situações expostas acima trazem um problema bastante comum ao vendedor do veículo: se o novo comprador cometer infrações de trânsito, todas as notificações, que gerarão futuras multas, sairão em nome do vendedor do veículo, porque, como ainda não houve transferência regular junto ao Detran, o proprietário (no caso, ainda o comprador) é presumidamente o infrator.
Então, o que fazer diante de uma situação dessas? Em primeiro lugar, caso já esteja recaindo sob o vendedor notificações por infrações de trânsito, ele deve tentar conversar com o comprador para que ele assuma a responsabilidade dos atos, assinando o chamado Formulário de Indicação de Condutor Infrator e protocolando o documento perante a CIRETRAN, para evitar arcar com as responsabilidades pelas infrações de trânsito.
Após feito isso, devem as partes efetuar corretamente a transferência do veículo perante o Detran, respeitando todos os trâmites listados acima. Do contrário, futuras infrações de trânsito continuarão a recair sob o proprietário (vendedor), porque, até prova em contrário, no sistema do Detran constará que aquele vendedor, que somente fez um contrato ou procuração particular, é o proprietário registral.
Em situações mais complicadas, mas também não raras, o vendedor do veículo pode não cooperar em realizar corretamente a transferência do bem ao seu nome, ou o vendedor simplesmente não tem mais contato com o comprador. Nesse caso, como há pretensão resistida, é indispensável o uso de uma ação judicial para que o comprador do veículo seja compelido a realizar a transferência do veículo para o seu nome, bem como seja condenado ao ressarcimento de gastos com multas e/ou dívidas por documentos atrasados, como licenciamento.
É absolutamente necessário, em cenários assim, que o comprador tenha prova de que as partes fizeram um contrato de compra e venda tendo como objeto aquele veículo, ou que o comprador tenha, pelo menos, a procuração particular outorgada ao terceiro. Tudo isso é utilizado para instruir a ação judicial e realizar, se o caso exigir, um pedido de tutela de urgência em caráter liminar para que o juiz determine, desde logo, o dever de transferência do bem a terceiro.
Portanto, se comprador e vendedor do veículo não realizaram corretamente a transferência do perante o Detran e agora está recaindo sob o vendedor a responsabilidade pelas infrações de trânsito, o ideal é buscar uma solução amigável e tentar, em primeiro lugar, fazer a transferência perante o Detran nos conformes da Lei. Em não sendo possível, o manejo de uma ação judicial será o único caminho para que o vendedor do veículo evite ter de arcar com os valores de multa, desconto de pontuação no prontuário do condutor e débitos por licenciamento atrasados.
Texto publicado em 28 de janeiro de 2019
João Maria Claudino dos Santos
OAB/SC 45.499
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